Foi uma mãe era distante, rigorosa, nervosa, fria e sempre crítica. Saía de casa todos os dias, deixando os 3 filhos sozinhos boa parte do tempo.
Certa vez, ainda criança, a filha escutou uma conversa da mãe com amigas sobre o desejo de não tê-los.
Cresceu tentando agradar, buscava reconhecimento, em vão, e teve a autoestima minada.
Quando o pai faliu, abriu mão dos seus sonhos e se empenhou em ser aprovada em um bom concurso público para auxiliar a família financeiramente. Cuidou dele em seu processo de doença e morte, já que era a única mulher, dentre os irmãos. E mantinha o contato com a mãe no mood “obrigação de boa filha”.
Uma história que deixou marcas profundas e arraigadas, ansiedade e inúmeros medos que sabe serem exagerados, mas que (ainda) não consegue controlar. Que julgava injustificados já que “nada grave” acontecera, e que reverberam em sua relação com os próprios filhos, já adultos.
Uma mulher batalhadora, bem sucedida, que se desdobrou para não repetir a ausência no papel materno. Mas que não tinha aprendido a validar seus sofrimentos nem tão pouco a honrar sua história.
Há poucos meses iniciou acompanhamento comigo, e pude lhe ajudar a perceber as costuras dos fatos de sua vida e seu sofrimento atual. Voltou hoje, agradecendo.
Depois do último atendimento, se encorajou e abriu um canal de diálogo no qual expôs sua vulnerabilidade à mãe.
Esta sequer se lembrava dos detalhes de como agia, guardava lembranças de bons momentos e de sua doação em cuidados. Se demonstrou perplexa e constrangida, não imaginava as repercussões dos fatos na vida da filha. E pela primeira vez também se vulnerabilizou e verbalizou a ela seu amor e agradecimento.
À partir daí, a relação se transformou. Ganhou contornos de compaixão mútua e gerou uma aproximação genuína nunca antes experienciada por ambas. Saudades, telefonemas sinceros, visitas e longas conversas prazerosas.
Do lado de cá, me emocionei e guardarei seu relato sempre comigo. Mãe com 90 e filha com 60: sempre é tempo de cura.